Eu e meus primos...

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domingo, 13 de julho de 2014

Meu dia de Black Bloc

É uma brincadeira. Nunca joguei uma pedra em alguém ou quebrei uma vidraça. A última vez que briguei na mão com alguém eu tinha 14 anos e apanhei ao defender um amigo que estava sendo atacado por namorar uma moça do Leme, ele que morava em Botafogo. Sempre achei e continuo achando a "tática black bloc" um grande equívoco, responsável pelo esvaziamento das manifestações, colocando a opinião pública contra os protestos e facilitando de forma suicida a repressão policial.

Mas os deuses nos colocaram no mesmo barco por uma tarde. Quando soube do arrastão policial da noite do dia 12 de julho, com a prisão arbitrária de 19 ativistas à véspera da final da Copa, fiquei absolutamente indignado. Acordei no domingo e quando vi a postagem de uma amiga convocando para um protesto na Praça S.Peña fui para lá, onde encontrei minha amiga.

Lá pelo meio-dia, a praça estava uma festa. Jovens pintando faixas, outros exibindo cartazes, questionando a ditadura das UPPs nas favelas ou a violência sofrida pelo povo palestino. Estava mais para carnaval do que para guerra, embora eu notasse a apreensão em vários rostos. Quando quisemos ir casa dela, descobrimos que a praça havia sido totalmente cercada por policiais, com todas as saídas bloqueadas por pms. No caminho, encontro dois torcedores argentinos, vestidos com sua bandeira e completamente perdidos sem saber o que estava acontecendo. Peço que venham comigo.

Em um dos bloqueios, sou encaminhado ao comandante, um tenente-coronel digitando em seu celular. Ele nem mesmo levanta os olhos para mim quando digo boa tarde. Mas quando pergunto a ele qual era a lei que impedia um cidadão brasileiro de caminhar livremente pelas ruas ele me dá "permissão" para passar. Eu, minha amiga e os dois argentinos, que ficam muito agradecidos. Vamos para a casa dela e almoçamos.

Decido ver a final da Copa, confortavelmente instalado no sofá. Mas recebemos o telefonema de duas amigas que haviam sido barradas na esquina, bem onde havia uma padaria. Fomos até lá, dispostos a usar a mesma argumentação para liberá-las. Quando chegamos elas estavam sendo obrigadas a mostrar as faixas que carregavam, como se os policiais tivessem direito de proibir esta forma de expressão. O que veio depois foi pior.

Tentei conversar com o oficial, um capitão de nome Canito. A única coisa que ele soube me dizer é que estava cumprindo ordens. Resolvi filmá-lo para registrar o absurdo da situação. Creio que fica patente para todos que viram o despreparo completo de uma pessoa que estava comandando trinta homens armados até os dentes. Enquanto eu dava um telefonema, saindo de perto por causa do barulho, um sargento se aproximou da minha amiga e procurou intimidá-la perguntando se ela tinha filhos. Depois passou o resto do tempo olhando para nós com cara feia e com a mão direita no coldre.

Enquanto isso, a televisão da padaria reunia uma mini-multidão heterogênea. Havia uma mulher animadíssima torcendo pela Alemanha aos gritos, apaixonada pelo técnico do esquadrão teutônico. Uma argentina, em bom castelhano, clamou pela solidariedade latino-americana na forma de um gol. Alguns policiais, já mais relaxados, comiam seu biscoitinho. Outros haviam saído das suas posições e avançado, mas não era um ataque, era só pra ver o jogo melhor. Nessas horas é que eu entendo o Aldir Blanc...

A Alemanha fez seu gol. A mulher delirava. A solidariedade latino-americana sofria um duro golpe. Assim que termina o jogo o bloqueio é dissipado. Esta vetusta e insigne instituição, nascida há 205 anos para prender escravos fugidos, finalmente nos deixava voltar para casa.

Até que meu dia de black bloc foi divertido, se não fosse essa indignação que não passa por nada. Ai que vontade de atirar uma pedra...

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