As idiotices foram e são tantas que fica difícil de escolher.
Essa foi espetacular. Meu primo, em sua fase mais radicalmente libertária,
resolve dar um curso totalmente "livre". Aceita uma turma com 80
alunos, gente pendurada até no lustre. Programa trabalhos, mas só para quem
quisesse fazê-los. Não haveria cobrança de presença, chamada nem pensar. A
avaliação e a nota ficariam a cargo dos próprios alunos. Sabe aquela coisa do
copo meio cheio, meio vazio dependendo da sua visão? Os pessimistas diriam que
90% da turma não fez trabalho algum. Os otimistas diriam que apesar de tudo,
10% da turma continuou a fazer os trabalhos, por livre e espontânea vontade.
Claro que foi um curso muito popular.
A auto-avaliação foi um
show. Havia regras sim. Tinha que ser feita oralmente, diante da turma e do
professor. Antes de dar sua nota, o aluno ou aluna tinha que explicitar seus
critérios e o peso qualitativo de cada um deles: presença, participação, feitura
ou não dos trabalhos, interesse e tudo o mais que fosse considerado relevante.
Depois, tinha que dizer em alto e bom som a sua nota. Era de nove pra cima na
maioria das vezes e uma boa parte da turma se outorgou dez, nota dez. Inclusive
um aluno que só havia ido na primeira aula e que na frente de todos desenvolveu
um interessante raciocínio, em uma lógica que faria Aristóteles sair da tumba e
dar um triplo salto mortal:
- Eu abandonei o curso.
Claro que eu deveria me reprovar. Mas não vou me reprovar, não é? Por isso, vou
me dar dez.
Nessa hora, o filhinho
do meu primo, que devia ter lá uns sete ou oito anos, olha para o pai e
arremata de primeira:
- Pô, pai, não aguento
mais esse teatro.
Mas nem tudo estava
perdido. Havia uma aluna que frequentava todas as aulas, debatia, perguntava,
lia os textos e fazia todos os trabalhos. Quando chegou a vez dela, a surpresa.
Depois de explicar calmente os seus critérios, outorgou a si própria um modesto
oito e meio. Diante do espanto e até da indignação dos colegas, ela respondeu
com tranquilidade:
- Eu me dei oito e meio
sim. Sei que fiz um bom curso, mas acho que posso fazer coisa bem melhor.
Silêncio geral. Sem
levantar a voz, ela havia desnudado a farsa e colocado o dedo na ferida com
vontade. Porque muito pior do que enganar um professor trouxa é enganar a si
próprio.
Do malandro-otário que
se deu dez eu nunca mais ouvi falar. A aluna sincera fez mestrado, doutorado e
numa carreira relâmpago hoje é colega do meu primo, dá aula em uma universidade
federal do Centro-Oeste. Mesmo que tardiamente, a nota dela é dez.
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