Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Meus primos idiotas, parte 3

As idiotices foram e são tantas que fica difícil de escolher. Essa foi espetacular. Meu primo, em sua fase mais radicalmente libertária, resolve dar um curso totalmente "livre". Aceita uma turma com 80 alunos, gente pendurada até no lustre. Programa trabalhos, mas só para quem quisesse fazê-los. Não haveria cobrança de presença, chamada nem pensar. A avaliação e a nota ficariam a cargo dos próprios alunos. Sabe aquela coisa do copo meio cheio, meio vazio dependendo da sua visão? Os pessimistas diriam que 90% da turma não fez trabalho algum. Os otimistas diriam que apesar de tudo, 10% da turma continuou a fazer os trabalhos, por livre e espontânea vontade. Claro que foi um curso muito popular.

A auto-avaliação foi um show. Havia regras sim. Tinha que ser feita oralmente, diante da turma e do professor. Antes de dar sua nota, o aluno ou aluna tinha que explicitar seus critérios e o peso qualitativo de cada um deles: presença, participação, feitura ou não dos trabalhos, interesse e tudo o mais que fosse considerado relevante. Depois, tinha que dizer em alto e bom som a sua nota. Era de nove pra cima na maioria das vezes e uma boa parte da turma se outorgou dez, nota dez. Inclusive um aluno que só havia ido na primeira aula e que na frente de todos desenvolveu um interessante raciocínio, em uma lógica que faria Aristóteles sair da tumba e dar um triplo salto mortal:

- Eu abandonei o curso. Claro que eu deveria me reprovar. Mas não vou me reprovar, não é? Por isso, vou me dar dez.

Nessa hora, o filhinho do meu primo, que devia ter lá uns sete ou oito anos, olha para o pai e arremata de primeira:

- Pô, pai, não aguento mais esse teatro.

Mas nem tudo estava perdido. Havia uma aluna que frequentava todas as aulas, debatia, perguntava, lia os textos e fazia todos os trabalhos. Quando chegou a vez dela, a surpresa. Depois de explicar calmente os seus critérios, outorgou a si própria um modesto oito e meio. Diante do espanto e até da indignação dos colegas, ela respondeu com tranquilidade:

- Eu me dei oito e meio sim. Sei que fiz um bom curso, mas acho que posso fazer coisa bem melhor.

Silêncio geral. Sem levantar a voz, ela havia desnudado a farsa e colocado o dedo na ferida com vontade. Porque muito pior do que enganar um professor trouxa é enganar a si próprio.

Do malandro-otário que se deu dez eu nunca mais ouvi falar. A aluna sincera fez mestrado, doutorado e numa carreira relâmpago hoje é colega do meu primo, dá aula em uma universidade federal do Centro-Oeste. Mesmo que tardiamente, a nota dela é dez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário