Eu e meus primos...

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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Meus primos idiotas, parte 1

Tive vários primos idiotas. Bem intencionados, é verdade, mas idiotas mesmo assim. Tive um que queria ser especialista em História da Grécia. Um belo tema, sem dúvida, mas a especialização é como uma burrificação voluntária. Entender muito de uma coisa só é quase o mesmo - na verdade é pior, porque o sujeito se acha sabichão - do que não entender de nada. Pois bem, no meio do seu mestrado acerca da invenção dos bárbaros, ele recebe uma deliciosa (não resisti, me perdoem) bolsa-sanduíche para Atenas. Lá fica na Escola Arqueológica Francesa, um respeitável centro de pesquisa. Com acesso 24h a uma biblioteca com 300 mil volumes. Cada pesquisador tinha a chave da biblioteca, ligava a fotocopiadora por sua conta e fazia a festa. Meu primo acordava cedo, no frio, para aproveitar mais. Leu para a dissertação e também sobre temas variados. Fotocopiou centenas de artigos e dezenas de livros. Viajou pela Grécia, foi a Micenas, Esparta, Delfos, Olímpia, sem falar em Creta e na paradisíaca Santorini (Thera).

Claro que voltou se achando. Resolveu dar um curso sobre vasos gregos na graduação. Até aí, tudo bem. Afinal os vasos pintados são documentos importantíssimos acerca da vida econômica, social, política e religiosa dos gregos antigos. Dá perfeitamente para fazer uma descrição da vida cotidiana de um ateniense a partir da coleção de vasos que hoje se espalham por museus nos quatro cantos do planeta. Neles são representadas cenas de casamento, guerra, trabalho, mitológicas e até outras, bem apimentadas. Alguns pintores eram tão hábeis que ficaram famosos e são reconhecidos pelos especialistas como quem reconhece um Matisse ou um Van Gogh . Meu primo havia visto e fotografado um especialista na restauração de vasos antigos, o que o deixara mais animado. Bem, o assunto era relevantíssimo e até agradável, por trabalhar com imagens. Mas meu primo, idiota que era, estava tomado de vaidade pelo conhecimento especializado, um tipo de narciso acadêmico que brota mais facilmente do que tiririca do brejo. Sendo assim, começou o curso falando dos diferentes tipos de argila. É isso mesmo, argila.

A hybris, ou seja, a soberba, costuma ser duramente punida pelos deuses. E assim o foi. Um aluno o acusou, em plena reunião de departamento, de dar aula sobre "barro grego". De nada adiantou meu primo tentar explicar a importância dos vasos enquanto fontes blá, blá, blá. O estrago já estava feito. No mural dos estudantes foi afixado um protesto contra aquela disciplina inútil. Meu primo rebateu com classe, postando - no mesmo mural e sem pedir licença - um lindo poema de Yeats, "Ode a um vaso grego". Mas não havia mais jeito.

Até idiotas, todavia, têm momentos de sensatez. Na aula seguinte à polêmica, meu primo calçou as sandálias da humildade diante da turma. Admitiu o fracasso do curso, especializado demais. Forneceu aos alunos uma lista de temas alternativos dos quais eles escolheriam dois ou três para serem trabalhados em sala. Creio que escolheram democracia ateniense, mitologia e vida cotidiana, algo assim. Correu tudo bem. No que tange aos humanos, os deuses sempre aprovam a humildade. Há fracassos sensacionais. Uma vez vi uma entrevista com um prêmio Nobel de biofísica ou não sei mais o que. Perguntado pela jovem reporter acerca do aspecto mais interessante do seu trabalho no laboratório - afinal a biofísica não devia ser o forte dela - o velhinho abriu um sorriso e respondeu:

- É quando dá tudo errado...

Diante do espanto da moça, completou:

- Pois é aí que se aprende alguma coisa nova...


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