Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

domingo, 22 de junho de 2014

A recompensa

Era um primo muito estranho. Nunca chegava atrasado ao trabalho. Nem um minuto. Faltar havia faltado, algumas poucas vezes. Para casar no dia seguinte. Para ir ao funeral da avó. Quando a dengue quase o matou ou em um dia em que sua garganta era um mar de pus. Mas ninguém é de ferro. Ninguém é super-homem (ou super-mulher). E depois de vinte e sete anos, meu primo ficou doente pra valer. Teve que pedir uma licença-médica. Chorou de desespero no dia em que deveria estar em sala de aula, no início do que seria o seu 55o. semestre como professor naquela universidade. E era um curso sobre samba.

Ele nada podia fazer. Apenas seguir as instruções médicas. Tomar o remédio e esperar. Melhorou. Mas ainda não tinha forças e condição de retornar. Começou a caminhar na praia. Primeiro muito lentamente. Robustos e sarados senhores de 80 anos passavam por ele como se fossem carros de Fórmula Um. Mas lembrava do pai dizendo, com um sorriso de alegria:

- Não está morto quem caminha

A cada dia, caminhava mais. Voltou à academia. Foi novamente examinado pelo serviço médico da universidade. O doutor percebeu que ele melhorara e lhe deu somente mais um mês de licença. Ele achou otimista demais. De qualquer forma, aceitou.

Ia se aproximando o semestre seguinte. No dia aprazado, apresentou-se ao chefe do seu departamento. Avisou que estava de volta ao trabalho. Morando longe da universidade, tendo que utilizar três transportes para ir e mais três para voltar, estava um pouco temeroso. Sem dar detalhes, explicou a situação e fez um pequeno pedido, o primeiro em quase três décadas. Gostaria de voltar aos poucos, lecionando apenas uma disciplina, antes de lecionar as duas disciplinas habituais no semestre seguinte. Sem titubear, seu colega negou esta possibilidade de forma seca e direta:

- Todos têm seus problemas

Ele não retrucou. Na verdade, lamentou ter pedido, ter se colocado naquela posição.

Voltou à sala de aula para dar os dois cursos que lhe atribuíram naquele semestre. Ali, descobriu que a doença não lhe havia tirado nenhum pedaço. Que diante dos seus alunos continuava inteiro. Na sala de aula era um peixe dentro d'água, nadando feliz. Essa era a sua recompensa, sempre fora e continuaria sendo. Não precisava pedir nada a ninguém.

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