Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Antropólogo-artilheiro

Essa é do tempo em que meu primo tentava virar antropólogo.

No dia anterior, havia saído a tal matéria em que a ONU provava, por A+B, que Acari é o bairro carioca mais pobre. Era lá que estavam meu primo e seu filho.  Domingo de manhã, sacolejando num ônibus de excursão até Petrópolis com o time de futebol da Quadra de Areia, além das respectivas mulheres e muitas crianças. Subimos a serra cantando uns sambinhas, meu primo com medo de que alguém me dissesse: “ô, branquelo, é assim que se bate um pandeiro, ó...”. 

Chegamos à aprazível sede do Carangola F.C., que tem até vestiário, futebol é coisa muito séria.  Antes do jogo, a cena clássica: o time adversário em círculo, de mãos dadas, fazendo uma oração. O nosso pessoal foi mais econômico, estilo acariano: “o negócio é ninguém reclamar e cada um ajudar o outro dentro de campo”. Por amizade, deram-me a camisa treze e a honra de ficar no banco me esgoelando do lado de fora: “vaaaai... valeeeu...”. Viramos o primeiro tempo dois a um. 

No intervalo, nosso presidente, técnico e também ponta-direita me surpreende: “Quando der dez minutos me avisa...”. Começa o segundo tempo e eu entro, mas não é no lugar do presidente (já viram autoridade pedir pra sair ?) e sim substituindo um arisco e perigoso centro-avante. As chuteiras  pisam a grama petropolitana. Batem um lateral, um dos nossos sobe na cabeça pra disputar com o beque deles. Meu primo vê a bola sobrar, avança, pensa em passar a bola para alguém mais competente (qualquer um !!) mas decide arriscar a sorte. Foi um belo chute de bico de chuteira que caprichosamente entrou no canto. Três a um !!! Delírio total: o time inteiro vem abraçar o inaudito antropólogo-artilheiro que se ajoelha no meio de campo e agradece a Papai-do-Céu a glória de fazer um gol pelas cores de Acari. 

Depois, churrasco e muita, muita cerveja. A bem da verdade, acabamos perdendo de 5x3, fato que tornou nossos anfitriões muito hospitaleiros. O retorno foi uma festa no ônibus cheio, com direito a funk e pagode da pior qualidade. Dona Marlene nos esperava em Acari com um prato de feijão com arroz e uma deliciosa carne assada. Essa tal de ONU não deve saber diferenciar um lateral direito de um bandeirinha...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Do pandeiro como arma revolucionária (outra da série Tristezas não pagam dívidas)

Aquele primo acabara de descobrir o pandeiro. Ele o considerava uma arma revolucionária. Criou até um lema: "Não basta ser anarquista, é preciso saber tocar pandeiro". Muita pretensão? Pode ser, mas ao menos duas vezes o pandeirinho lhe prestou bons serviços.

A primeira vez foi em uma lamentável reunião do Departamento. Qual delas? A pior de todas talvez. Pois nesta reunião o grande debate girava em torno da diminuição do número de votos da representação estudantil. O bloco da situação não estava feliz com a vocação eternamente oposicionista dos estudantes, que ameaçava a sua hegemonia. O Centrão dos professores controlava as comissões, fazia aprovar saídas em massa em detrimento da graduação, enfim, deitava e rolava. O pequeno grupo que se opunha a isso passou a contar com o voto dos estudantes, ameaçando o status quo. Logo o grupo dominante voltou seus esforços para diminuir o número de votos da representação estudantil, considerada radical e desequilibrada. Meu primo, que passara a adolescência durante a ditadura, não acreditava que aquilo estivesse acontecendo, uma restrição clara à participação democrática. Dentro de um Departamento de História dos mais afamados do país, diga-se de passagem. Cansou de ouvir falas que o faziam sentir a famosa vergonha alheia. Pediu a palavra, empunhou o pandeirinho abusado e mandou:

"Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se que aparentemente você subiu

Mas o que eu soube a seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer

Que pra subir você desceu,
você desceu"

E agora já contando com o coro da estudantada e de alguns colegas...

"Todo mundo quer subir
A concepção da vida admite

Ainda mais quando a subida
Tem o céu como limite

Por isso não adianta estar no mais alto degrau da fama
Com a moral
Toda enterrada na lama."*

* [Lama, de Mauro Duarte, ouçam com a Clara Nunes, uma maravilha]

Se você está na lama, o jeito é buscar lavar a alma.

E teve outra.

Assembléia de greve. Lotadinha da silva. Plenário totalmente dividido. Oradores sendo vaiados e aplaudidos ao mesmo tempo, meio a meio. O presidente da nossa seção sindical era claramente favorável à greve, mas conduzia a assembleia de uma forma digna e nobre, sem tolher as opiniões contrárias. Um dos professores contrários à greve, nem preciso dizer a qual departamento ele pertencia, vai à tribuna. Tentando desestabilizar a assembleia, acusa o presidente do sindicato de estar manipulando a plenária, prejudicando as manifestações contrárias à greve e desrespeitando a vontade da maioria. Uma calúnia, uma infâmia, uma mentira de quinta categoria. Um golpe baixo típico de uma raposa velha. O sangue do meu primo subiu. Filho de Xangô odeia injustiça. Ficou diante do auditório lotado, sacou do pandeiro e atacou de Noel:

"Quem é você?
Que não sabe o que diz

Meu Deus do Céu, 
que palpite infeliz..."

Até a raposa velha riu...

P.S: Não percam a esperança na Humanidade, o admirável presidente da nossa seção sindical era do mesmo departamento que a velha raposa...

terça-feira, 20 de maio de 2014

Primo meu não é ingrato (da série Tristezas não pagam dívidas)

O ano eu não sei. Mas foi durante a desastrosa gestão de Paulo Renato, o único Ministro da Educação que teve a glória de morrer por excesso de Viagra. Asseguro ter sido uma verdadeira benção, pois as pragas que os professores das federais rogaram para vossa excelência eram bem mais dolorosas e demoradas. Foi no tempo de FHC, em que a universidade pública era tratada a pão bolorento e água salobra. Nada de verba, nada de contratações e dá-lhe licença pra abrir escolão de 3o. Grau do Oiapoque ao Chuí. A única resposta possível: entrar em greve.

Paulo Renato, que como já vimos morreu por excesso de esperteza, teve a brilhante ideia de cortar o salário de todo mundo. Foi um Deus-nos-acuda. Ninguém esperava por aquela. Um primo meu, que à época era professor na UFF, também participou da greve. Todos os meus primos fazem greve, tão pensando o que? Pois bem, era dia de assembléia. Foi no prédio da Geografia, perto da Baía de Guanabara, um lindo cenário para um filme de terror chamado a educação superior na Era FHC. Além do arrocho salarial impiedoso, da piora das condições de trabalho, da instauração progressiva da ditadura da produtividade, agora mais essa: começar o mês, já no cheque especial, sem salário à vista.

Se o plano secreto de Renatão e Fernandinho era mobilizar a classe dos professores universitários, estava tudo correndo muito bem. A assembleia estava lotada e os oradores se sucediam, furiosos como pregadores à véspera do Apocalipse. Meu primo olhou aquilo, pensou um pouquinho e achou que era preciso um approach diferente, como diria Zeca Baleiro. E lá foi ele:

- Companheiros, eu vim aqui agradecer ao governo!

O zum-zum-zum parou na hora. Se ouvia uma mosquinha etc. Agora meu primo tinha enlouquecido de vez...

- Vim agradecer por vários motivos:

1o. Eu antes tinha automóvel e vários problemas: estacionamento, gasolina, consertos, IPVA etc. Graças ao governo, fui obrigado a vender meu carro e me livrei destes problemas;

2o. Eu antes tinha plano de saúde, que tinha um atendimento péssimo, era burocrático, aumentava desmesuradamente, mas agora, graças ao governo, não posso mais pagar plano de saúde e me livrei desse estorvo;

3o. Por fim, eu vivia tendo problemas de dinheiro, entrando no cheque especial, fazendo dívidas com juros altíssimos, mas agora não tenho que me preocupar com dinheiro, afinal não tenho mais nenhum...

Por isso tudo, muito obrigado Fernando Henrique Cardoso!

Não tão rindo? Fazer o que? Piada politizada é assim, um pouco mais conceitual.

P.S: Quanto à história do Viagra, não posso assegurar ser verdade, mas se não for quem a inventou está de parabéns.

Mistério

O meu salário vive saindo, mas nunca me conta aonde vai...

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sete anos

Cardosão sou eu, cabo Cardoso pra quem não me conhece. Não gosto de dar confiança. Mais amor e menos confiança, dizia meu pai. Fazer o quê, se essa cambada de oficial frouxo que tem por aqui não honra a farda que veste. Tem que saber se impor, se não, nego monta e aí não dá mais pra correr atrás do prejuízo. O senhor veja o uniforme, por exemplo. Tem um espelho grande pra caralho, fica bem na entrada, logo depois do Corpo da Guarda. Não dá pros filha da puta deixar de ver. Nem de ler:
                         
“ESTE ESPELHO REFLETE VOCÊ E VOCÊ A PMERJ“.

Tá certo, certíssimo, mas tem muito militar lambão por aí. Vê só o Rubens: nem dá pra acreditar que é PM, o mug dele tá sempre mal passado, nem sabe engraxar o bute direito e o que é pior, vive a ostentar um medalhão de S.Jorge mal disfarçado por debaixo da farda, sem falar naquelas correntes de pulso, douradas, que quando balançam fazem mais barulho do que baiana de acarajé. Fica parecendo bandido. Porra, já disse pra ele um milhão de vezes, bandido é bandido e polícia é polícia. É feito óleo e água, não dá pra misturar. Comigo não tem disso, que nem todo mundo fala, Cardosão reza por outra cartilha. Quem me ensinou foi o finado Sargento Bonfim, que Deus o tenha. Isso é que era Federal, não é que nem esses franguinhos que saem do CEFAP, botam um quepe na cabeça e uma arma na cintura e pensam que entendem do serviço. “Nem todo mundo dá pra essa coisa”, assim me disse o Bonfim no dia em que botei o pé no Trinta e Dois. Na época o bicho tava pegando, guerra no Morro da Gazua, uma das primeiras guerras do tráfico que saiu no jornal, aquela da menininha segurando um trabucão, Julinha o nome dela, os bacanas ficaram tudo assustado... deu até no Jornal Nacional. Assustado à toa: essas meninas de favela já tão tudo sendo enrabada com doze, treze, aos catorze já tão de barriga. Tinha uma num morro lá de Bangu que aos quinze já fora viúva três vezes, tudo de menino do tráfico. Os caras chamavam ela de xoxota assassina. Pior do que isso só as patricinhas que vem na fissura do pó e acabam na vala. Atrás do pó vieste e ao pó voltarás. O que ?  Porra doutor, tem menininha da Zona Sul, viciada, que chega na Boca disposta a qualquer coisa. Quando o dinheiro termina elas faz de tudo: paga boquete pros cara, topa ir com dois, três ao mesmo tempo. Me contaram uma, essa também já não posso garantir que é verdade, que certa vez um gerente levou a menina pro meio do baile e mandou ela cheirar a carreirinha em cima do pau dele. E a bichinha não se fez de rogada...
O Bonfim só falava te olhando bem firme no meio dos olhos, pra ver se tu tremia nas base. Depois que fiquei mais ou menos amigo dele – o Bonfim nunca abria totalmente a guarda –, fiquei sabendo que ele já ia te manjando na primeira conversa. A partir daí, teu destino tava traçado. Se o Bonfim se agradasse de tu, tu ia formar com ele na linha de frente, como ele chamava. Quando a PATAMO dele subia o morro, era aquele zunzum, os guris já trepavam por aquelas vielas feito cabras malucas, gritando: ‘chegou a Morte, chegou a Morte’. Em um minuto o Morro parecia uma cidade fantasma, igualzinho a filme americano. Daqueles em que o bandidão e sua quadrilha, vestidos de preto ainda por cima, entravam na cidade cavalgando e levantando uma poeira danada, e dava pra ouvir o barulho de uma mosquinha voando. Mas não lembro de ter visto mosca em filme americano que gringo não é otário. Ia dizendo, a favela esvaziava rapidinho, nego que devia e quem não devia também, porque ninguém queria ficar na pista quando o Bonfim pintava na área. Dava até gosto de ver. Não é que nem hoje. Por isso os vagabundo ficam cantando que até o Bope treme. Treme é o caralho, os homi de preto são foda. O problema é que nem todo mundo é caveira. Ali bandido sabe que não vai ter boa vida, o arrego é arriscado e peixe que cai na rede... é cordinha, facão e saco preto. Num tem escapatória, doutor. Mas na época do Bonfim, bastava os vigia bater o olho na placa com fim 66 da Patamo que todo mundo dava pinote. Bonfim impunha respeito. O homem tinha até marca registrada. Depois que mandava o mau elemento pra fazer companhia ao Capeta, mandava nós virar o sujeito de cu pra cima, cara enfiada na lama, dizia que não gostava de olhar pra safado. Pra arrematar, mandava o Fininho arrancar a orelha esquerda. Dizia que na vida, se escutavam dois tipos de conselho, os bons e os maus. Mas que o bandido só tinha orelha pra ouvir, pensar e planejar maldade, por isso mandava o Fininho arrancar o porto de entrada da perversidade – o Bonfim era até metido a poeta nessas horas. Mesmo que a gente não entendesse fazia de conta, ninguém ia se meter a besta. Sujeito bom de faca, esse Fininho. Se o senhor olhasse pra ele, doutor, não dava nada não, parecia um porteiro de prédio, franzino – daí o apelido, bigodinho ridículo e uma risadinha envergonhada e contida, feito hiena. Mas quando chegava a hora da onça beber água, era o braço direito do Bonfim. Era o próprio Bonfim que contava. Uma vez tava de cama e precisava acabar com a moral de uns bandidinhos que tavam desafiando ele. Mandou o Fininho no lugar. Pra que, doutor, os homens crescem é no momento da responsabilidade – é isso que eu falo pra esses praça bundão que num sabe nem dar conta de um servicinho à toa, parece até que acreditam nos tais dos direitos humanos. E desde quando bandido é gente ?  Pois é, como que eu tava contando, o Fininho foi fazer o serviço e botou pra quebrar. Passou o cerol no bando todo, exceto um. Desse um ele arrancou todos os dedos, menos o polegar da mão direita. O Fininho dizia que era pra ele poder fazer sinal de tudo certo !  E ainda por cima mandou colocar um dos dedos no formol. Durante um mês, enquanto durou a operação café-da-manhã... Ah, tinha esse nome porque a gente começava na madruga, antes do sol nascer, os filha da puta já acordavam com a gente dando chute na porta e dizendo bom dia, o Bonfim dizia que soldado dele tinha que ser educado. Certo,  o negócio do dedo. Botou o dedo do gerente – palavra muito metida a besta, o sr. não acha ? – pegou aquele dedo e colocou num vidrinho, dizia que era o talismã dele... O senhor não acredita em mim ?  Nem tudo tá nos livros, doutor, nem tudo. De qualquer forma, quando o Bonfim voltou mandou ele jogar fora, falou que era de mau agouro. Acho também que ele não queria que o Fininho começasse a aparecer muito. Quem cria cobra...
            Mas a história que eu tava querendo contar era outra. Uma vez teve uma velha que ficou parada no meio da rua, só vendo todo mundo batendo em retirada pro seu cafofo. A velha ficou ali, paradinha, olhando pro Bonfim descendo da Patamo, já engatilhado e pronto “pra trabalhar” como ele gostava de dizer. Pois é, o sr. sabe que a velha não arredou pé, nem mesmo quando o Bonfim e a turma dele – eu ainda não havia caído nas graças – correram na direção dela. “Por que tu não correu, velha fedorenta ?” E a velha ainda teve boca pra falar, doutor, a coroa era danada. Sabe essas velhinhas que a gente vê na rua, todas encurvadas, tortinhas, andando de teimosia ?  Pois essa era assim. Nem dente nem dentadura, só aquelas gengivas estragadas. O Bonfim pensou que ela fosse doida, mas a velha era corajosa. “O Sr. é bicho, por acaso, pra eu ter medo do Sr. ?”.  O efetivo da Patamo todo riu, não deu pra segurar. Mas o Bonfim não podia perder a moral. Ensopapou a velha, lascou-lhe um tapa: “Toma isso pra deixar de ser folgada”. Os soldado dele engoliu o riso na hora, endireitou o corpo e esbugalhou os olhos se preparando pra qualquer coisa, era mau negócio brincar com fogo. Acredite se quiser, não parou por aí. Aquela velhinha fracotinha da Silva ainda teve força pra botar o dedo na cara do Bonfim. Botou mesmo, olhou pra ele com aqueles olhinhos doídos e falou, com toda a calma: “o Sr. me bateu com essa mão, mas logo, logo, o Sr. não vai mais ter mão pra dar tapa em ninguém”. O Bonfim teve que disfarçar o espanto, disse que aquilo tava atrasando a operação e continuou a subir o morro. Sabe, lá no sul os polícia chama isso de “pedalar barraco”. Conforme eu ia dizendo, tiro e queda, puta-que-pariu, será que a porra da velha era macumbeira ?  O fato é que na semana seguinte o Bonfim caiu. Era uma operação tranquila, blitz de fim de semana pra arrumar um trocado. O Bonfim também era bom nisso. O que ele fazia era genial, nunca vi. Ao invés de ficar parando carrinho caído, esses fiat uno caindo aos pedaços, fusquinha e toda a qualidade de carro velho, o Bonfim fazia diferente. Mandava parar só carro de bacana. “Quer ver ?” dizia ele, “esses filhas da puta não pagam um imposto”. Não é que ele tava certo, doutor ?  Ficava besta de ver, cada carrão importado, desses que parecem um tanque quadradão, a madame descia e na hora da documentação, tava tudo em atraso. “E agora, o que eu faço ?” “Não se preocupe, madame, a gente para um táxi pra senhora”. O velho Bonfa ainda tirava onda de cavalheiro. O Federal arrepiava. Fazia o acerto e todo mundo comia uma graninha boa, mas de vez em quando ele cismava, dava uma raiva nele ver aqueles bacanas metidos a besta, olhando a gente do alto, como se polícia fosse sujo. Nem quando eles caíam do cavalo perdiam a pose. Tinha dia que o Bonfim mandava recolher ao depósito. O riquinho ali, feito babaca, sem acreditar que um PM tava fudendo ele, mandando rebocar o BMW. Claro que a gente gostava do dindin, mas a turma vibrava quando o Bonfim ferrava um doutorzinho de terno e gravata. Às vezes dava merda, é claro. Como no dia em que ele autuou a filha de um juiz...  Quase que o comandante dá uma cadeia nele. Mas o Bonfim já tinha feito uns servicinhos pro homem, daí que... pera ai, tou esquecendo de contar como o Bonfim caiu. Pois é, a velha bruxa rogou praga e não é que pegou ?  Eu tava contando, dia de sábado tavamo fazendo uma blitz na Suburbana. Não era nem perto de morro. Corria tudo nos conformes, neguinho sendo parado, documento verificado, um dinheirinho corria aqui, outro ali. De vez em quando pintava uns papelotes, uma ervinha. Tudo beleza. O Bonfim parecia um Gérson, ali no meio de campo, feito maestro, dirigindo tudo, fazendo aquele bico dele, feito o caboclo Urubatão. Era difícil o homem mostrar os dentes. Pois é, o serviço tava quase terminando, já tavamo quase tocando recolher. Foi aí que pintou aquela moto. Motinha doutor, dessas que parecem tá peidando fumaça pra dar 60, sabe como é ?  O cara vinha de capacete. Polícia não gosta de capacete. Como é que eu vou trabalhar sem ver a cara do malandro ?  Aprendi com o Bonfim, já disse. O Bonfim, bem antes da moto chegar, mandou eu parar o cara. Procedimento de rotina, tem muita moto com documentação ruim, tem muito motoqueiro sem carteira. A moto veio parando devagarinho, parece que o desgraçado já sabia que ia ser parado, já tava armando o bote. Pois o senhor acredita que o danado fez que nem o Romário ?  O senhor vai dizer que nunca viu um jogo do cara ?  Ele se fazia de morto e de repente dava uma arrancada... Pois é, mas esse elemento da moto, quando todo mundo pensava que ele já estava enquadrado deu uma acelerada de fritar o pneu e passou por mim voado. Quando eu me virei pra atirar num deu mais tempo... O velho Bonfa tava na supervisão e tinha se colocado na frente do doidão. Porra, doutor, foi só um tiro, um tirinho desgraçado de certeiro e os miolos dele espalhados pelo chão. Nunca vi coisa igual. Se eu encontro aquela velha...

Tem cenas que não saem da mente da gente, doutor. Ser pm é foda. O cara vê cada coisa, fica assombrado, aquele filminho passando na cabeça o tempo todo. Chega em casa tem que caprichar no sorriso pra esposa, “Tudo certo, meu bem”, tem que beijar as crianças, torcer pra que elas não leiam nos seus olhos o terror. Quando eu ainda era soldado, tirava um serviço no Morro do Bode. Tava lá no PPC vendo a banheira do Gugu quando ouvi um gritinho. Gritinho abafado, pensei até que tava imaginando. Mas polícia tem que conferir tudo, não dá pra marcar bobeira. Chamei o Ribeiro pra vir comigo. Quando botei o pé na rua vi logo uma senhora chorando encostada a um poste. Ela nem conseguiu falar, só apontou o barraco. Doutor, só de contar já fico arrepiado. Na cama a menininha tava sangrando e os olhinhos dela parece que iam saltar das órbitas. Em cima dela um crioulo todo suado, exalando um bodum desgraçado de cachaça misturado com aquele cheiro forte de preto. Quando o negão viu a gente ele pareceu surpreso, o filho da puta. Como se fosse a coisa mais natural do mundo sair rasgando uma menina de sete anos – eu também tenho uma filha, doutor. Nessa hora o sangue ferve. O negão tentou saltar fora pela janela, mas o Ribeiro pegou o cara pelo pé e puxou pra dentro de novo. Eu já meti o but no saco dele, pra fazer as bolas dele virarem farinha. Ele urrou de dor enquanto a menina abraçou o lençol e se cobriu toda, envergonhada. O Ribeiro chutou o focinho do crioulo sem parar, numa fúria que ia aumentando quanto mais aquele porco sangrava. O tenente chegou depois, bem na horinha, quando eu já tinha puxado o cão do revólver pra trás. Era um tenente novinho, um pirralho cheio de marra. Pressionando bem forte o cano na testa do negão, eu rosnei pro tenente: “E aí, meu chefe ? Qual vai ser ?” Precisa ver a cara que o tenente fez. Ele engasgou, olhou assustado pra gente e falou antes de bater em retirada: “É contigo mesmo, Cardoso, não quero nem saber.” Claro que ele ouviu o tiro. Se o Fininho estivesse ali naquela hora... Ele ia cortar o negão feito mortadela de padaria. Tiro foi bom demais, ele não valia nem a munição. No meu lugar, o que o senhor faria, doutor ?  Sete anos... 

domingo, 18 de maio de 2014

Bolinha de papel

                Eu e a bola. Meu nome é João, meu nome é Antônio, meu nome é José, meu nome é um qualquer. No dia a dia, não sou de reclamar, é bola pra frente. No trabalho, tento não pisar na bola. Se há algum problema, logo tento bolar uma solução. Peço a ajuda dos colegas, não prendo a bola. Mas acho que meu patrão não bate bem da bola. Com ele é sempre jogo duro. Fico meio bolado mas tudo bem. Ele vive dando bola fora. Quando tento aumento de salário, a bola sempre bate na trave. E não adianta reclamar, pois ele se acha o dono da bola. Até aí, jogo que segue, mas não suporto traição, tomar bola nas costas. Não quero encher minha bola. Mas no trabalho eu bato um bolão e ele foi dar aumento e promoção para aquele novato bola murcha? Por isso eu peguei aquele monte de papelada, tudo ainda por resolver, amassei bem até virar uma bola de papel. Aí entrei na sala dele feito centroavante rompedor e falei: agora a bola tá contigo. Passei a bola pra ele.

                Desempregado. Sem dinheiro. Não dei a menor bola. Na pelada de domingo, depois de uma semana infernal, tudo o que eu queria era bater uma bolinha. Quando enfiei um bolão para meu amigo fazer o gol, ele disse um negócio que me lavou a alma: João, tu é bola. Sou mesmo.

É batata...

Quem deseja o poder não o merece

sábado, 17 de maio de 2014

Agora não, Ulisses...

Com vinte e quatro anos meu primo começou sua vida de professor universtitário. Teve até que deixar a barba crescer para parecer um pouco mais velho e respeitável. Ele ensinava História Antiga, seus alunos eram sempre do primeiro período. Sendo assim, não foram poucas as vezes que os alunos entravam em sala, olhavam pra ele e pensavam: "esse sujeito tem cara de aluno, deve ser aula trote". Quando eles viam a quantidade de trabalhos e leituras também deviam achar que era uma brincadeira de mau gosto, mas não era. Meu primo era extremamente exigente. Em quase toda aula havia um trabalho a apresentar: fichas, resumos, cronologias e até mapas. As turmas enlouqueciam. Uma delas até foi reclamar à Coordenação por ser obrigada a estudar demais. Não adiantou. E dá-lhe fichamento...

Fora este pequeno "detalhe", a relação com as turmas era muito boa. O professor era esforçado, nunca chegava atrasado, parecia estar dando o máximo, mesmo que isso ainda fosse muito pouco. De qualquer maneira, a convivência era agradável. Aquela turma em particular parecia gostar muito das aulas do meu primo. E ele se sentiu muito feliz quando foi convidado de honra da turma para assistir a uma peça que eles haviam montado. E praticamente no Céu quando soube que era uma montagem da Odisséia de Homero. Se era ou não de Homero, aliás, era uma das questões do curso.

Sentou no chão, assim como todos, mas na primeira fileira. Claro que eles tomaram algumas liberdades, como era de se esperar. No poema, Nausícaa, a princesa dos feácios se apaixona por Ulisses, sem saber que se tratava dele e nem ao menos desconfiando que aquele amor era impossível. Ela irá ajudá-lo a receber a proteção dos feácios, que será essencial para seu retorno a Ítaca, depois de dez anos lutando em Tróia e mais uma década vagando entre monstros de um olho só, sereias, feiticeiras e outros seres menos cotados. Pois bem, aquele dia Nausícaa era encarnada por uma moça histórica-sociologicamente negra, totalmente vestida de branco, turbante inclusive, que bem poderia ser uma baiana do acarajé. Até aí ele achou ótimo, devia ser algum diálogo entre tradições que ele ainda não percebera.

Quando Ulisses entrou em cena, todavia, meu primo começou a desconfiar. Ulisses dos artifícios mil, Ulisses aventureiro, corajoso, ardiloso. Bem, Ulisses era representado por um aluno conhecido por seu senso de humor e seu físico de barril de chopp bem distribuído em um metro e sessenta de altura. Por que não, se perguntou meu primo, por que não? Deve ser uma denúncia dos nossos preconceitos, da nossa obsessão com corpos perfeitos.

No finalzinho da peça, depois de enfrentar muitos perigos, o rechonchudo Ulisses finalmente chega diante da sua mulher, Penélope, vinte anos depois de ter partido de casa. Para Penélope o diretor de elenco havia escolhido a aluna mais velha da turma, que tinha escandalosos quarenta e poucos anos. Até aí, perfeito, afinal, depois de duas décadas fiando e desfiando o mesmo manto Penélope devia estar meio velhinha mesmo. Só havia uma coisa que beirava o inaceitável, ao menos para o meu primo. É que aquela Penélope tinha cabelos absurdamente oxigenados. Para a Odisséia, era psicodélico.

Pois bem. Cena derradeira. Ulisses redondinho se aproxima de Penélope oxigenada. Cheio de desejo. Afinal vinte anos não são vinte dias, ele toma da mão dela e sussurra com voz sensual:

- Vem, meu amor... vem

De mau humor, ela responde, cabeça baixa, sem tirar os olhos de alguns papéis à sua frente:

- Agora não... tou fazendo o fichamento do Alvito!


Como fazer bebês em 1966...

Um priminho meu passou sua infância em um prédio de classe média-média em Botafogo. Em  meados dos anos 60, o bairro só tinha colégios, um ou outro banco e a dúbia honra de ser palco de alguns dos primeiros engarrafamentos da cidade. Os prédios não tinham playground e a gente brincava mesmo na garagem, já que o prédio era sobre pilotis. Havia pouco menos que vinte crianças, que se divertiam pelo método antigo, brincando umas com as outras, divididas novamente pelo método antigo: meninos para um lado, meninas para o outro.

Um dia a relativa paz do nosso mundinho sofreu um terremoto. Um dos nossos tinha um irmão mais velho chamado Geraldo. Geraldo parecia ser um garoto sério: cabelo cortado escovinha, óculos de aros grossos e uma atitude severa para alguém dos seus doze ou treze anos, idade inacreditável para nossa turma, que estava entre os seis e os oito. Pois bem, Geraldo, com indisfarçável solenidade, pediu que sentássemos em círculo e disse que iria nos contar como os bebês nasciam. Pediu, ou melhor, exigiu silêncio absoluto. Nem era preciso. Aos seus pés havia seis ou sete garotos de boca aberta e olhos esbugalhados. Depois do indefectível pigarro que antecede as declarações bombásticas, Geraldo compartilhou conosco o seu saber. Explicou com voz pausada e olhos intensos que não era nada fácil gerar um bebê:

- Papai e mamãe têm que ficar abraçados e totalmente parados numa mesma posição por pelo menos 24h.

Para nós que não parávamos quietos um só segundo, aquela imobilidade, durante o torturante período de um dia, tomou ares de heroísmo. Como meus pais haviam tido três filhos, minha admiração por eles aumentou enormemente. Fui até papai, que na qualidade de professor universitário e veterinário saberia me confirmar aquela informação espantosa:

- Papai, é verdade que você e mamãe tiveram que ficar parados um dia inteirinho pra cada um de nós nascer?

- Que nada, meu filho, pode ser em um segundo.

Deve ter sido a minha primeira crise existencial.

Dossiê H

O H do título se refere a Homero. Ismail Kadaré tece com maestria uma trama alegórica. Dois lingüistas irlandeses partem para a Albânia da década de 30 armados de um novíssimo aparelho, o magnetofônio, ancestral pesadão dos nossos gravadores. Estão dispostos a resolver o enigma acerca da elaboração dos poemas homéricos estudando in loco a epopéia albanesa tradicional, que ainda subsistia nas montanhas do interior. As autoridades do reino logo passam da suspeita à certeza de que os dois estrangeiros eram espiões e eles são vigiados dia e noite. Enquanto a arte dos rapsodos albaneses desaparece rapidamente, a espionagem floresce. Há uma especialização entre os informantes, um é o olho, outro é só ouvidos. O principal “artista” do regime é um informante cujos relatórios são invejados pelo seu superior como exemplos de estilo. Há portanto a crítica ao regime autoritário e a seus absurdos, que Kadaré explora com um humor impiedoso. O livro não se esgota aí. Há um belo debate sobre o oral e o escrito e acerca da relação entre arte e realidade. Aqui o verdadeiro enigma é a própria literatura.
Publicado na seção "Eu Recomendo", Jornal Rascunho, n. 167, p.2, março de 2014
Refere-se a:  

Dossiê H

Ismail Kadaré
Trad.: Hildegard Feist
Companhia das Letras
190 págs.


Academia

Os PhDeuses estão para os sábios assim como a margarina para a manteiga. Florestas dizimadas para que se repitam as mesmas teses e os mesmos artigos, com nomes diferentes porque os pontinhos são preciosos. Sai o chicotinho de ponta, que pode ter usos criativos e entra o implacável chicote de pontos e prazos. Em cada aluno, uma cifra em potencial (te devo essa João Alípio). A sabedoria liberta. O saber aprisiona. Muitos querendo ensinar, poucos querendo aprender. Núcleos, laboratórios, oficinas, workshops, congressos onde ninguém ouve ninguém. Traficantes de papel. Hoje cinco meninos foram assassinados na favela de Acari. "Pois é, isso acontece muito nesses lugares. Quando é mesmo a qualificação da sua aluna?". Se cuspo com vontade e asco no prato em que como é que sei como ele é preparado. Ei Fapesp, Faperj, Capes, Cnpq, vão todos se f... "A sabedoria é transmitida de boca em boca" (Brecht via Bernardo Soares). O espaço sagrado da troca e do diálogo, a sala de aula, chamado pelo medalhão de "vala comum". Barbárie. "Professor, o que é que vem depois do pós-doutorado? Um negócio chamado morte, minha filha"

Caco de vidro

Os diamantes não brilham no escuro
E um caco de vidro reluz ao sol
Feito um universo em expansão

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Resenha genérica para livros de auto-ajuda

Você é gordo, feio, pobre, solitário, mal vestido e se dá mal em geral porque quer! Basta ler esse livro e seguir nosso revolucionário método em 4 etapas que tudo estará solucionado em no máximo 10 semanas.
P.S: Não devolveremos o dinheiro gasto com este livro. Precisamos nos auto-ajudar...

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Filho de peixe...

Filho de peixe...

Há coisas muito difíceis de dizer ao seu filho. Não me lembro do que disse, nem se disse alguma coisa, no dia em que ele mirou um homem que vivia na rua e fuzilou, do alto da bondade dos seus quatro anos: Papai, porque a gente não leva ele pra casa? Mas um dia houve uma pergunta ainda mais difícil de responder.

O garoto era louco por futebol. O fim de semana todo se passava nas quadras, nos parques ou em qualquer outro lugar com uma superfície mais ou menos plana. Almoço na vovó? Tudo bem: antes e depois do almoço, jogo no play, apesar do piso de azulejos. Um contra um. Claro que eu sempre deixava ele vencer. Dizia pra mim mesmo que era para ele ganhar confiança. Para treinar a perna cega, a esquerda, facilitava as jogadas em que ele usasse a canhota. E eu começava ganhando por dois, três gols de vantagem pra testar a fibra dele. No final, sempre aquela vitória por placar apertado e uma comemoração apoteótica que eu tinha que assistir fingindo estar triste.

Ele nascera apressado, um mês antes do previsto. Eu e a mãe dele fomos correndo pro hospital num Fiat 147 caindo aos pedaços. No dia seguinte, na maternidade, passado o susto, ponho a cabeça pra fora do quarto e vejo um espetáculo dantesco. Meu filho nascera cercado de tricolores, vascaínos e botafoguenses. Em cada porta havia uma bela e refinada meia de tricô com as cores adversárias. Aquilo não podia ficar assim.

- Meu amor, tá tudo bem? É que eu esqueci uma coisinha lá em casa, vou buscar e já volto.

Voltei com minha camisa dez do Flamengo, tamanho grande. Pendurei a dita cuja na porta, soberana. As enfermeiras já entravam no quarto dando gargalhada. Meia de tricô é o cacete... Depois disso, não há como reclamar que o guri fosse alucinado por futebol e pelo Flamengo. Era tão apaixonado que, certa vez, no Maraca, é claro, começou a chorar diante da derrota para o São Paulo por dois a um. Em torno, um monte de marmanjos comovidos tentando consolá-lo. A única coisa que lhe disse foi que só se é torcedor na derrota, a vitória é pra qualquer um. Nunca mais ele chorou. Não por isso.

Claro que eu tentava levá-lo a lugares onde houvesse outros garotos para ele jogar uma pelada de verdade. Mas mesmo com o time já formado ele queria me ver dentro de campo com ele. Houve um dia na Lagoa que estava tão quente que não havia ninguém ao redor. Eu já estava conformado em ter que jogar o nosso tradicional um a um. Eis que ao longe, vejo um grupo de garotos se aproximando. Eram meninos pobres, um com a indefectível caixinha de engraxate. Chegaram com educação:

- Tio, podemos jogar?

Meu filho olhou para mim com alguma preocupação, mas com confiança. Pedi que dividissem os times e avisei que ia ser um jogo limpo, sem pontapé. Ao time do meu filho só dei uma instrução: vamos passar a bola pro garoto. Aqueles meninos não eram bobos, toda a hora deixavam meu moleque na cara do gol. Melhor do que isso, meu filho perdera o medo deles, entendera que eram apenas meninos.

Ele já fizera várias escolinhas de futebol. Aos poucos ia ficando claro para ele que a genética pesava, filho de perna de pau nunca vai ser craque. Eu também passara a minha infância sonhando ser jogador. Sonhando mesmo: eu tinha um sonho repetido de que estava jogando uma final no Maracanã com a camisa dez do Mengão, fazia o gol da vitória e ouvia a galera gritando o meu nome. Claro que com ele não era diferente. Eu deixava ele sonhar à vontade. Mas ele ia percebendo as suas limitações, ia se comparando com outros e entendendo que o sonho ficava a cada dia mais distante.

Um dia, quando íamos para a casa da vovó, promessa de um a um no play, ele me segurou levemente pelo braço e me encarando com olhos tristes fez a pergunta que cravou um punhal na minha alma:

- Pai, eu nunca vou ser jogador de futebol, não é?

Tentei sair pela tangente, dizendo que não era impossível, coisa e tal. Mas ele não estava pra brincadeira. Acho que naquele dia ele deixou de vez de ser criança. Pois arrematou sem perdão:


- E por que você sempre deixa eu ganhar?