Eu e meus primos...

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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pior do que uma seta venenosa

Em um debate muito bacana, um filósofo, um físico e euzinho, que não sei bem o que sou, conversavamos com 200 jovens sensacionais em um curso pré-vestibular de São João de Meriti. Uma aluna, de nome Larissa, emociona a todos. Pergunta aos atônitos palestrantes se eles não acham que toda a parafernália eletrônica de celulares, tablets e internet tornou as pessoas mais hostis, mais duras. O filósofo, que não gosta nem de falar ao microfone, reforça a hipótese, sublinhando as alegrias do olho no olho. O físico, muito inteligentemente, lembra que a Idade Média era bem mais hostil.

E eu? Sem saber o que dizer, fico apavorado com a responsabilidade diante daquelas vidas tão vivas ali diante de mim, esperando uma resposta: hostil ou não. Peço ajuda aos deuses gregos que nunca me deixam na mão. E  lanço mão dos sábios filósofos da Velha Guarda da Portela. Digo à Larissa e aos 200 alunos que o que existe hoje não é hostilidade. É bem pior. A hostilidade, o ódio, a violência, de certa forma reconhecem o outro, mesmo que seja como um inimigo.

O que existe hoje é um processo que o velho barbudo que não era Papai Noel já manjou há mais de 150 anos. Karl Marx falava do fetiche da mercadoria. O IPhone vira um ser querido, amado, é ele que olha pra você quando você tira um selfie. Você sorri para a máquina. E os outros seres humanos viram coisas, a serem usadas. Muito pior do que a hostilidade é o desprezo, a indiferença, o não reconhecimento do outro ser humano. Isso não é culpa da tecnologia. Tudo que existe no nosso mundo humano foi construído por um determinado tipo de relações humanas. O modelo atual volta-se para as coisas. As coisas falam, as coisas ouvem, as coisas interagem. Para elas, nosso carinho, nosso bem mais precioso, o tempo. Damos tempo e mais tempo para ter mais e mais coisas. Sobra pouco tempo para outros seres humanos como nós. Eles recebem de nós o desprezo, o pior dos venenos como ensina o samba de Alberto Lonato, "Você me abandonou":

http://letras.mus.br/velha-guarda-da-portela/937706/

Você me abandonou 
Ô ô eu não vou chorar
Mas hei de me vingar
Não vou te ferir
Eu não vou te envenenar
O castigo que eu vou te dar é o desprezo 
Eu te mato devagar
O desprezo é uma arma perigosa
È pior do que uma seta venenosa 
O desprezo para quem sabe sentir
Muitas vezes faz chorar
Outras vezes faz sorrir

2 comentários:

  1. Belíssimo texto. Me lembrou um bocado da crítica mercadológica do meu caro Erich Fromm em seus escritos humanistas: o ataque às coisas mortas e inertes em favor da vida e do que vive.

    Abraços de um ex-uffiano, que não foi seu aluno mas que sempre admirou a sua postura (dentro e fora das salas).

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  2. Eu tive o prazer de estar nessa platéia, gostaria de agradecer em nome de todos os Fatorandos e dizer - lhe tmb que seus discursos foram uma inspiração, cada palavra que saiu da sua boca foi recebida de braços abertos por todos nós e certamente não será esquecida tão cedo.

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