Em um debate muito bacana, um filósofo, um físico e euzinho, que não sei bem o que sou, conversavamos com 200 jovens sensacionais em um curso pré-vestibular de São João de Meriti. Uma aluna, de nome Larissa, emociona a todos. Pergunta aos atônitos palestrantes se eles não acham que toda a parafernália eletrônica de celulares, tablets e internet tornou as pessoas mais hostis, mais duras. O filósofo, que não gosta nem de falar ao microfone, reforça a hipótese, sublinhando as alegrias do olho no olho. O físico, muito inteligentemente, lembra que a Idade Média era bem mais hostil.
E eu? Sem saber o que dizer, fico apavorado com a responsabilidade diante daquelas vidas tão vivas ali diante de mim, esperando uma resposta: hostil ou não. Peço ajuda aos deuses gregos que nunca me deixam na mão. E lanço mão dos sábios filósofos da Velha Guarda da Portela. Digo à Larissa e aos 200 alunos que o que existe hoje não é hostilidade. É bem pior. A hostilidade, o ódio, a violência, de certa forma reconhecem o outro, mesmo que seja como um inimigo.
O que existe hoje é um processo que o velho barbudo que não era Papai Noel já manjou há mais de 150 anos. Karl Marx falava do fetiche da mercadoria. O IPhone vira um ser querido, amado, é ele que olha pra você quando você tira um selfie. Você sorri para a máquina. E os outros seres humanos viram coisas, a serem usadas. Muito pior do que a hostilidade é o desprezo, a indiferença, o não reconhecimento do outro ser humano. Isso não é culpa da tecnologia. Tudo que existe no nosso mundo humano foi construído por um determinado tipo de relações humanas. O modelo atual volta-se para as coisas. As coisas falam, as coisas ouvem, as coisas interagem. Para elas, nosso carinho, nosso bem mais precioso, o tempo. Damos tempo e mais tempo para ter mais e mais coisas. Sobra pouco tempo para outros seres humanos como nós. Eles recebem de nós o desprezo, o pior dos venenos como ensina o samba de Alberto Lonato, "Você me abandonou":
http://letras.mus.br/velha-guarda-da-portela/937706/
Você me abandonou
Ô ô eu não vou chorar
Mas hei de me vingar
Não vou te ferir
Eu não vou te envenenar
O castigo que eu vou te dar é o desprezo
Eu te mato devagar
O desprezo é uma arma perigosa
È pior do que uma seta venenosa
O desprezo para quem sabe sentir
Muitas vezes faz chorar
Outras vezes faz sorrir
Belíssimo texto. Me lembrou um bocado da crítica mercadológica do meu caro Erich Fromm em seus escritos humanistas: o ataque às coisas mortas e inertes em favor da vida e do que vive.
ResponderExcluirAbraços de um ex-uffiano, que não foi seu aluno mas que sempre admirou a sua postura (dentro e fora das salas).
Eu tive o prazer de estar nessa platéia, gostaria de agradecer em nome de todos os Fatorandos e dizer - lhe tmb que seus discursos foram uma inspiração, cada palavra que saiu da sua boca foi recebida de braços abertos por todos nós e certamente não será esquecida tão cedo.
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