Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O feitiço de Creta

Era um dia de sol maravilhoso. O Palácio de Cnossos ficava a alguns quilômetros do centro da cidade. Meu primo, emocionado, percorreu as salas com afrescos "restaurados" pelo arqueólogo Arthur Evans e subiu ao terraço. De lá se via a bela vegetação da ilha de Creta. Ele arrumou um lugar para sentar e ficou ali feito jacaré, tomando um solzinho e feliz por estar realizando o sonho de conhecer aquele lugar lendário. Estava pensando no Minotauro e no labirinto quando ela surgiu. Era lindíssima. Claramente olhou para onde meu primo estava. Só ela e ele. No Palácio de Cnossos. Meu primo estava tão, mas tão feliz, que não quis estragar o momento. Deixou-se estar e sentiu o calorzinho do sol, novamente fechando os olhos. Quando os reabriu ela não estava mais lá. Paciência.

Voltou à cidade e, com uma fome de touro, sentou-se em um restaurante muito simpático, todo envidraçado, de onde dava para ver uma fonte de água no centro de uma praça. Hesíodo já recomendava aos camponeses, sete séculos antes de Cristo, a sentarem-se perto de um curso d'água no verão, depois da colheita, no momento feliz do descanso. Meu primo ali estava, feliz. Conversava com um padre da igreja ortodoxa, com barbas compridas e um apetite interminável. De repente, surgida não se sabe de onde, ela apareceu. Sentada na beira da fonte. Olhar perdido.

Meu primo temeu a ira dos deuses, que claramente lhe proporcionavam uma segunda chance. Pagou a conta num segundo, abriu a porta e foi na direção dela. Não sabia bem o que iria dizer, isso não importava. Nem precisou pensar em nada. Quando estava perto ela sorriu e disse, em inglês:

- Oi, quer tomar um café?

Pois é, ninguém acredita, mas foi assim mesmo. Ela lembrava dele, óculos escuros, tomando sol na cobertura do palácio, achou que ele fosse italiano. A conversa era fácil, leve, parecia um roteiro escrito há mil anos. Ela estava ali passando férias, na verdade tentando curar as feridas de uma relação que não dera certo. Já estava há quinze dias em Creta, já havia bebido vinho, já havia dançado, quebrado pratos, não sabia mais o que fazer. Meu primo disse a ela que estava retornando naquele dia mesmo, de navio. Ela perguntou se podia ir com ele. Simples assim. Ela buscou as coisas no hotel e à noite embarcaram rumo a Atenas. Meu primo até hoje se lembra dela no convés do navio olhando para ele com os olhos mais bonitos do mundo, os olhos de uma mulher apaixonada.

De Atenas foram a Roma. De Roma ela seguiu para a Austrália, onde morava. Não havia Internet. Meu primo nem tinha telefone. As cartas demoravam duas semanas. Fizeram planos e planos. Se corresponderam por dois anos. Os deuses lhes deram a dádiva de um amor de sonho que vive na lembrança, eterno. Nunca mais se viram.

O grande mistério de Creta? O mesmo da vida, um labirinto sem mapa, onde a cada passo a gente pode ser devorado pelo Minotauro ou encontrar um grande amor.

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