Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

domingo, 20 de julho de 2014

Meu primo vira grego...

A especialização é uma burrificação voluntária. O cara passa a vida toda aprendendo cada vez mais sobre cada vez menos. Vira um sabe tudo acerca de quase nada. E começa a olhar para os seres humanos "normais" como se fosse um PhDeus com pena dos reles mortais comedores de pão. Tive um primo que caminhava a passos largos para ser um especialista da Grécia antiga. Já tinha livro sobre o assunto, ia nos congressos, artigo publicado em francês, os ingredientes da receita já estavam todos lá.

Mas aí ele deu de frente com a vida. Saiu do gabinete um pouco. Olhou em torno. Na televisão, a cena da barbárie cotidiana, que só chocou a cidade porque aconteceu na linda e loura Zona Sul. O o bandido que ousara tentar assaltar o shopping é encurralado por policiais e executado atrás de uma kombi. O mais chocante não foi aquilo e sim os comentários: "É isso mesmo, tem que matar esses desgraçados". Quem havia dito isso era uma doce menina de doze anos.

Meu primo parou e pensou. O que um ateniense de verdade faria se a sua pólis, se a sua comunidade de cidadãos vivesse uma situação daquelas? Era fácil responder. No século VI a.C. Atenas ficou dividida em duas partes, em uma sangrenta guerra civil, que eles chamavam de stasis. Matar, cortar cabeça, tocar fogo, valia tudo. Ou melhor, quase tudo. Ficar em cima do muro não valia. Quem não tomasse partido perdia os seus direitos de cidadania. Portanto, a decisão era fácil. Meu primo suspendeu a tese sobre as mulheres de Atenas e Esparta. Primeiro para estudar a Penitenciária Lemos Brito, uma unidade em que só entrava quem tivesse sido condenado a pelo menos dez anos de tranca. Depois foi proibido de frequentar o estabelecimento penal após uma semana cultural pensada por seu amigo Marcelo Freixo. Acabou pesquisando aquela que era considerada uma das favelas mais perigosas do Rio, para onde foi levado por seu amigo poeta Deley de Acari.

Ali, reencontrou os gregos. Não mais de túnica, mas de bermuda e chinelos ou até mesmo descalços. Gregos de cabelos crespos, narizes achatados e lábios grossos. Gregos tostados pelo sol. Reencontrou as ruas labirínticas, sujas e barulhentas como as ruas de Atenas à época de Sócrates. Reencontrou as cores vivas que recobriam os templos. Como na Grécia antiga, caminhou em meio a um mundo povoado por deuses. Reencontrou um mundo viril, centrado na ideia de honra. Ironicamente, ao contrário do que lhe diziam os acadêmicos, ao contrário da acusação que lhe faziam de ter abandonado a Grécia antiga, agora estava mais perto dela do que nunca.

Ali, nas palavras sábias de Dona Marlene, aprendeu a ser gente. Aprendeu a rir, brincar e gargalhar como um ateniense fazia. Muitas vezes com alusões sacanas a perus gigantescos, como nas comédias de Aristófanes e nos becos de Acari. Ali aprendeu que aquela famosa frase latina que vivia repetindo para os alunos era mesmo verdadeira e que nada do que é humano lhe era ou deveria ser estranho. Ali ele deixou de ser um burro voluntário, apenas mais um especialista em Grécia antiga.

Porque estudar a Grécia antiga é bacana, mas é muito mais divertido virar grego...

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