Eu e meus primos...

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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Do pandeiro como arma revolucionária (outra da série Tristezas não pagam dívidas)

Aquele primo acabara de descobrir o pandeiro. Ele o considerava uma arma revolucionária. Criou até um lema: "Não basta ser anarquista, é preciso saber tocar pandeiro". Muita pretensão? Pode ser, mas ao menos duas vezes o pandeirinho lhe prestou bons serviços.

A primeira vez foi em uma lamentável reunião do Departamento. Qual delas? A pior de todas talvez. Pois nesta reunião o grande debate girava em torno da diminuição do número de votos da representação estudantil. O bloco da situação não estava feliz com a vocação eternamente oposicionista dos estudantes, que ameaçava a sua hegemonia. O Centrão dos professores controlava as comissões, fazia aprovar saídas em massa em detrimento da graduação, enfim, deitava e rolava. O pequeno grupo que se opunha a isso passou a contar com o voto dos estudantes, ameaçando o status quo. Logo o grupo dominante voltou seus esforços para diminuir o número de votos da representação estudantil, considerada radical e desequilibrada. Meu primo, que passara a adolescência durante a ditadura, não acreditava que aquilo estivesse acontecendo, uma restrição clara à participação democrática. Dentro de um Departamento de História dos mais afamados do país, diga-se de passagem. Cansou de ouvir falas que o faziam sentir a famosa vergonha alheia. Pediu a palavra, empunhou o pandeirinho abusado e mandou:

"Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se que aparentemente você subiu

Mas o que eu soube a seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer

Que pra subir você desceu,
você desceu"

E agora já contando com o coro da estudantada e de alguns colegas...

"Todo mundo quer subir
A concepção da vida admite

Ainda mais quando a subida
Tem o céu como limite

Por isso não adianta estar no mais alto degrau da fama
Com a moral
Toda enterrada na lama."*

* [Lama, de Mauro Duarte, ouçam com a Clara Nunes, uma maravilha]

Se você está na lama, o jeito é buscar lavar a alma.

E teve outra.

Assembléia de greve. Lotadinha da silva. Plenário totalmente dividido. Oradores sendo vaiados e aplaudidos ao mesmo tempo, meio a meio. O presidente da nossa seção sindical era claramente favorável à greve, mas conduzia a assembleia de uma forma digna e nobre, sem tolher as opiniões contrárias. Um dos professores contrários à greve, nem preciso dizer a qual departamento ele pertencia, vai à tribuna. Tentando desestabilizar a assembleia, acusa o presidente do sindicato de estar manipulando a plenária, prejudicando as manifestações contrárias à greve e desrespeitando a vontade da maioria. Uma calúnia, uma infâmia, uma mentira de quinta categoria. Um golpe baixo típico de uma raposa velha. O sangue do meu primo subiu. Filho de Xangô odeia injustiça. Ficou diante do auditório lotado, sacou do pandeiro e atacou de Noel:

"Quem é você?
Que não sabe o que diz

Meu Deus do Céu, 
que palpite infeliz..."

Até a raposa velha riu...

P.S: Não percam a esperança na Humanidade, o admirável presidente da nossa seção sindical era do mesmo departamento que a velha raposa...

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