Essa é do tempo em que meu primo tentava virar antropólogo.
No dia anterior, havia saído a tal
matéria em que a ONU provava, por A+B, que Acari é o bairro carioca mais pobre.
Era lá que estavam meu primo e seu filho. Domingo de manhã, sacolejando num ônibus de
excursão até Petrópolis com o time de futebol da Quadra de Areia, além das
respectivas mulheres e muitas crianças. Subimos a serra cantando uns sambinhas,
meu primo com medo de que alguém me dissesse: “ô, branquelo, é assim que se bate um
pandeiro, ó...”.
Chegamos à aprazível sede do Carangola F.C., que tem até
vestiário, futebol é coisa muito séria. Antes do
jogo, a cena clássica: o time adversário em círculo, de mãos dadas, fazendo uma
oração. O nosso pessoal foi mais econômico, estilo acariano: “o negócio é
ninguém reclamar e cada um ajudar o outro dentro de campo”. Por amizade,
deram-me a camisa treze e a honra de ficar no banco me esgoelando do lado de
fora: “vaaaai... valeeeu...”. Viramos o primeiro tempo dois a um.
No intervalo,
nosso presidente, técnico e também ponta-direita me surpreende: “Quando
der dez minutos me avisa...”. Começa o segundo tempo e eu entro, mas não é no
lugar do presidente (já viram autoridade pedir pra sair ?) e sim substituindo
um arisco e perigoso centro-avante. As chuteiras pisam a grama petropolitana. Batem um
lateral, um dos nossos sobe na cabeça pra disputar com o beque deles. Meu primo vê a
bola sobrar, avança, pensa em passar a bola para alguém mais competente
(qualquer um !!) mas decide arriscar a sorte. Foi um belo chute de bico de
chuteira que caprichosamente entrou no canto. Três a um !!! Delírio total: o
time inteiro vem abraçar o inaudito antropólogo-artilheiro que se ajoelha no
meio de campo e agradece a Papai-do-Céu a glória de fazer um gol pelas cores de
Acari.
Depois, churrasco e muita, muita cerveja. A bem da verdade, acabamos
perdendo de 5x3, fato que tornou nossos anfitriões muito hospitaleiros. O
retorno foi uma festa no ônibus cheio, com direito a funk e pagode da pior
qualidade. Dona Marlene nos esperava em Acari com um prato de feijão com arroz
e uma deliciosa carne assada. Essa tal de ONU não deve saber diferenciar um
lateral direito de um bandeirinha...
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