Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Jantando com o inimigo

Jantando com o inimigo

Era ele mesmo. Um dia depois da acachapante goleada, alguns pindoramas jantavam tranquilamente no hotel quando o avistei. A farta cabeleira, o nariz adunco e a expressão viva e inteligente não permitiam dúvidas. Ali estava Moritz Rinke, o camisa nove da seleção alemã de escritores. Aquele que fizera seis gols na gente. Em chutes de longe, escorando triangulações ou subindo no terceiro andar para testar com categoria. O sujeito que tornara a minha vida de beque central um inferno, tendo que correr sem parar, na quixotesca esperança de impedir suas jogadas. Mas também um adversário absolutamente leal. Dentro de campo, onde dispensou empurrões, cotoveladas ou faltas. Ou fora dele, quando afirmou ao repórter da Folha que o resultado se devia ao fato da nossa seleção ter acabado de ser montada.

De qualquer forma, era ele ali, jantando sozinho e silencioso na mesa ao lado. Levantei-me, fui na sua direção e o convidei para jantar conosco. Primeiro ele deu uma pequena e educada desculpa, mas eu insisti. Moritz Rinke, dramaturgo premiado, autor de um bestseller que vendeu 200 mil exemplares e atacante "imarcável", juntou-se finalmente a nós. De início, estava tímido. Eu agradeci a ele pela postura da seleção alemã, que nos respeitou mesmo depois da goleada. Sempre gentil, o camisa 9 germânico disse que já haviam ganho da Áustria de 12x0 e que no caso da Turquia, por exemplo, o primeiro jogo foi uma goleada do Autonama, mas a revanche foi um duríssimo zero a zero que teve que ir para os pênaltis. Lembrou o caso da Argentina, que ganhou deles por um a zero. Embora, na opinião de Rinke, tenha sido um empate, mas os argentinos não aceitaram o gol da Alemanha, alegando impedimento.

Ao se soltar, ficou encantado com a presença de Pepe, o grande ponta-esquerda do Santos, companheiro e padrinho de Pelé, que beija a mão de Pepe e pede benção ao seu padrinho toda a vez que o vê. Rinke pediu para tirar uma foto de Pepe e eu sugeri que tirasse uma foto com o nosso técnico. Pepe até brincou:

- Esse desgraçado faz seis gols no meu time e agora quer tirar foto?

O artilheiro parecia uma criança de tão feliz. Contou que já vivera no Brasil, onde ficara amigo de Ignácio de Loyola Brandão, a quem ele considera o responsável por ele ter seguido o caminho da literatura. Chegou a jogar em um time semiprofissional e em uma partida conseguiu fazer oito gols. Respirei aliviado, pelo menos ele não batera o recorde pessoal contra nós.

Nossso ex-tormento agora esbanjava simpatia. Humilde, pediu a cada um de nós que colocasse o email debaixo do texto publicado no folheto com os textos dos autores do Autonama e do Pindorama. Na mesa ele parecia estar em meio de amigos: Vladir Lemos, André Argolo, José Luiz Tahan o trataram com toda a fidalguia. Brinquei com ele dizendo que além do email iria colocar uma dica que lembrasse a ele quem eu era. "Marcos Alvito - péssimo defensor". Combinamos entrar em contato quando eles forem jogar a revanche no Brasil. Se for no Rio, ficarei feliz em mostrar alguma coisa da cidade para eles.

Mas ali não havia mais defesa ou ataque, eramos apenas meninos-homens conversando sobre o nosso brinquedo preferido e sua capacidade mágica de nos irmanar.

Este texto é dedicado ao Autonama e ao seu craque maior, Moritz Rinke

Nenhum comentário:

Postar um comentário