Eu e meus primos...

Eu e meus primos...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O tempo das bolinhas pretas

Esse primo era bem garoto, tinha seus dezessete anos. Naquela tarde, estava na Av. Rio Branco, na lateral do Teatro Municipal, ouvindo instruções sobre como panfletar sem ser preso. Diante de vários montes de panfletos de Modesto da Silveira, um advogado de presos políticos que era candidato a deputado, um homem mais velho, extremamente sério e carruncudo, explicava o que fazer para um bando de rapazes e moças.

Meu primo não sabia, sempre foi um ingênuo, mas o candidato estava sendo apoiado pelo PCB, então na ilegalidade. Fora convidado a participar por companheiros de escola e obviamente topara. Ele lia todos os jornais alternativos, o Opinião, depois o Movimento, o Versus e, é claro, O Pasquim, seu preferido desde os 14 anos. Quando o general-presidente de plantão discursava na televisão meu primo batia boca com ele (sem gritar), para desespero dos seus pais.

Toda a sua adolescência foi marcada pela Ditadura Militar, que emparedava o cotidiano da juventude: meu primo ouviu Apesar de Você de Chico Buarque, que seu pai comprara antes de ser retirado das lojas. Ele mesmo tivera a sorte de adquirir e ler Feliz Ano Novo de Rubem Fonseca antes de ser censurado. Viu Laranja Mecânica com ridículas bolinhas pretas acrescentadas à genitália das personagens. Era até gozado ver aquelas bolinhas se moverem de lá pra cá. A atmosfera de medo era tão sólida quanto um queijo e fedia bem mais.

Meu primo, sem saber, iria correr o risco de morrer ao ir a um show no RioCentro em 1981. Só pode votar para presidente aos 29 nove anos de idade. Quando entrou na universidade, ainda havia muito temor de que algum dos alunos fosse informante do DOPS.

Naquela tarde de 1978, depois de receber a parte que lhe cabia dos folhetos, meu primo caminhou juntamente com os companheiros em uma passeata, distribuindo o material do candidato. Até que a polícia desfez a manifestação com a gentileza habitual daqueles tempos (e não somente daqueles tempos). Aí não foi preciso nem mesmo lembrar de qualquer instrução. Foi pernas pra que te quero, correndo em meio às mesas do Amarelinho.

As pernas já não são as mesmas, mas o horror à Ditadura Militar implantada em 1964 permanece, altaneiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário