Eu e meus primos...

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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Uma ou duas coisas que meus primos sabem sobre o Marcelo

Primeiro o aviso: todos os meus primos, sem exceção, são amigos do Marcelo, adoram o Marcelo. Portanto, esse é um texto que toma um lado, mas não pretende ser desonesto por conta disso.

Marcelo poderia ter virado bandido pé de chinelo e, a essa altura ser apenas mais um número de uma estatística macabra. Nasceu em um bairro pobre de Niteró, debruçado sobre o morro de onde vinham seus amigos e onde ele jogava bola quase todos os dias. Viu muitos ingressarem no crime e nunca mais voltarem. Outros viraram policiais, apenas o outro lado da mesma guerra.

Marcelo poderia ter virado jogador de futebol e dos bons. Pelo menos era isso que pensava o olheiro que insistiu com seu pai para levá-lo na peneira do Fluminense. Sem padrinho, Marcelo frequentou o clube por vários dias, de chuteiras na mão e um sonho na alma. Mais do que o desprezo, o que lhe doía era estar faltando aula. E o menino Marcelo decretou: vou estudar, deixa esse negócio de futebol profissional pra lá. O que não quer dizer que não tenha continuado a brilhar nas peladas do bairro, junto com seus dois irmãos.

Marcelo poderia ter sido mais um estudante de História, tirar boas notas, arrumar uma bolsa de pesquisa e ir entrando na fila, feito carneirinho, para uma carreira acadêmica. Mas lá foi ele, trabalhar como estagiário, sem remuneração, em uma revolucionária escola de 2o. Grau que estava sendo montada em uma penitenciária de Niterói. Reza a lenda que os melhores estágios eram tão disputados que havia gente que arrancava a folha da parede para os outros não saberem. Aquela ninguém arrancou. Pois só Marcelo quis ir aonde ninguém queria ir.

Um dos meus primos deu aula para Marcelo, logo no primeiro período, quando ele tinha 18 anos. Já era militante do PT, participava ativamente, mas com uma firme doçura de quem nunca (ou quase que ninguém é de ferro) levantava a voz porque sabia muito bem o que estava fazendo e o que estava defendendo. Marcelo podia não ser o melhor aluno do meu primo, mas era um aluno consciente e interessado. Claro que ficaram amigos.

Antes de se formar, Marcelo trabalhava na secretaria de um colégio. A escola fez questão de contratá-lo como professor e ele, humildemente, de acumular as duas funções para reforçar o orçamento pois já havia um bebê para criar.

Anos mais tarde, quando Marcelo já completava dez anos de trabalho voluntário na "cadeia", mesmo já sendo formado, professor e pai, ele convidou um primo meu para ir à Penitenciária Lemos Brito. Outro dia eu conto essa história, mas basta dizer que aquele primo morreu no dia em que entrou lá e nasceu outro primo, acho que bem melhor.

Quando Marcelo pensou em se candidatar, inicialmente para vereador na sua cidade natal, em Niterói, outra demonstração de humildade: procurou os amigos mais próximos, como meu primo, e perguntou-lhes o que achavam. Um amigo comum manifestou o temor de que Marcelo, uma vez eleito, mudasse completamente. Enganou-se redondamente. São poucas as pessoas que conseguem enfrentar tantos desafios, crescer e ao mesmo tempo permanecer fiéis a si próprias.

Que desafios? A morte do irmão, barbaramente assassinado, fato que Marcelo jamais explorou politicamente. A necessidade de andar com seguranças 24h para não ser assassinado a mando das milícias que ele tanto se esforçou para denunciar, investigar, processar e prender. Lembremos que já houve prefeito do Rio de Janeiro (com nome de imperador romano rs) dizendo que as milícias faziam um trabalho importante.

E agora vem essa acusação covarde, distorcida, que pretende atribuir ao Marcelo a violência dos black blocs que ele sempre condenou, embora sem demonizar. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos ele tem como dever atender a todos que solicitem, pois, para lembrar algo indispensável, todos são inocentes até prova em contrário.

Fico preocupado mas meu primo me tranquiliza. Com aquela calma determinação que o caracteriza, com a firmeza de quem tem a alma em paz, nosso amigo Marcelo vai tirar essa de letra. Afinal, Freixo é uma madeira tão resistente que com ela eram fabricados os arcos na Antiguidade. É madeira que verga, mas não quebra.

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